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Infectologista tira dúvidas sobre coronavirus e ressalta importância de lavar as mãos

- 11 de maio de 2020

“Mãos limpas salvam vidas”, deixa bem claro a médica infectologista Camila Choairy de Almeida em entrevista sobre o novo coronavírus. Ela destaca não apenas a importância da correta e criteriosa lavagem das mãos, mas do distanciamento social e da busca por informações seguras e oficiais, além de tirar as principais dúvidas sobre a Covid-19.

Médica há sete anos, há quatro como infectologista e há dois anos especialista em Controle de Infecção Hospitalar, Camila atua na Policlínica do Engenho Novo, no Hospitalis e no Grupo GNDI, em Sorocaba.

Como age e qual é o percurso do novo coronavírus no organismo humano?
Camila:
O coronavírus já é um agente causador de doenças conhecido desde 1937, mas foi descrito e estudado em 1965. É um RNA virus, pertencente a uma família de vírus, sendo que atualmente sete deles são conhecidos por causar doenças em humanos. Sabe-se que alguns coronavírus infectam originalmente animais e sofrem mutações e evoluem para infectarem seres humanos. Provavelmente foi o que aconteceu com o SARS -CoV-2 (novo coronavírus causador da Covid-19). Sabe-se que é um vírus respiratório (entra no corpo humano através da mucosa do trato respiratório superior causando uma inflamação, se multiplica e invade o trato respiratório inferior - pulmão - e daí pode invadir outros órgãos). Sabe-se também que é uma doença sistêmica e os mecanismos de ação/inflamação ainda estão sendo estudados mais a fundo.

Por que idosos, pessoas com doenças crônicas e outros grupos são mais suscetíveis à doença?
Camila:
A chance de que essas pessoas contraiam a doença é a mesma de qualquer outra pessoa. O que diferencia é que essas pessoas do chamado "grupo de risco" são mais suscetíveis a desenvolver a forma grave da doença, provavelmente por já possuírem um sistema imunológico debilitado, já em estado de inflamação constante, e por isso facilitam a entrada do vírus na mucosa e sua disseminação pelo organismo.

Por que algumas pessoas chegam a pegar o vírus, mas não têm sintomas enquanto outras não resistem a ele?
Camila:
Justamente pela resposta inflamatória do organismo de cada um frente à exposição ao vírus. Alguns possuem uma resposta adequada com controle da infecção local e rápida eliminação viral. Em outros indivíduos, essa resposta é muito exacerbada, causando uma inflamação sistêmica no organismo e isso que causa a doença mais grave. Em outros, a resposta imune pode ser insuficiente, facilitando a entrada do vírus no organismo e sua disseminação por todo o corpo humano, também causando uma doença sistêmica grave, ou até mesmo nenhuma resposta contra o vírus e aí não desenvolvem a doença. Não tem como saber como cada indivíduo irá reagir. Em alguns casos podemos apenas prever e supor, pelos próprios fatores de risco da pessoa. Em outros, sem fatores de risco aparentes, é impossível.

O que é mais preocupante diante dessa pandemia causada pelo novo coronavírus?
Temos alguns pontos importantes nessa pandemia: a forma de contágio sendo respiratória, por gotículas e/ou aerossóis (partículas menores) de pessoa para pessoa e também dessas gotículas depositadas no ambiente, ou seja, só de estar no mesmo ambiente de uma pessoa infectada, outras pessoas podem contrair, seja diretamente pelo ar ou encostando em objetos contaminados e depois encostando no rosto (nariz, boca, olhos). Outro fator é a velocidade de transmissão e o número reprodutivo base: cada pessoa infectada, em média, pode transmitir para mais 2,2 pessoas (isso por dia de doença, levando em conta o contato com as mesmas pessoas). Se esses indivíduos estiverem aglomerados por um período maior de tempo, esse número pode dobrar ou triplicar. A pessoa com sintomas, já foi demonstrado, apresenta um aumento na carga viral, ou seja, possui mais vírus no organismo do que a pessoa ainda sem sintomas ou com poucos sintomas nas gotículas lançadas no ambiente, facilitando a transmissão, sendo que a tosse/espirro lançam essas gotículas contaminadas ainda mais longe, podendo contaminar pessoas um pouco mais distantes (maior que 2 metros).  Outro problema é o tempo de disseminação da doença: o paciente com sintomas leves pode eliminar o vírus e contaminar outras pessoas por até 14 dias. Já nos pacientes graves, o vírus permanece no organismo por mais tempo e a transmissão também vai ocorrer por mais tempo. Além disso, esses pacientes graves, com necessidade de hospitalização, podem levar de 3 a 6 semanas para se recuperar, ou seja, o tempo de internação desses pacientes é bem prolongado, e a cada dia temos novos pacientes graves adentrando o hospital, que já está ocupado com doentes graves de 3 ou 4 semanas atrás, acumulando pacientes (além dos internados por outros motivos), superlotando os hospitais e levando ao colapso do sistema de saúde (que já estava em colapso antes aqui no Brasil), que é o que temos visto pelo mundo. Outro problema é a escassez de equipamentos de proteção individual, necessários para que os profissionais da saúde não se contaminem e que também não transmitam de forma direta ou indireta a infecção para outros pacientes. Como são necessários vários pares de luvas, máscaras e aventais descartáveis ao dia, os EPIs se esgotam rapidamente, sendo que nenhum país do mundo consegue repor com tanta velocidade, porque todos estão precisando. Outro problema enfrentado é que a maioria desses EPIs vêm da China, que estava em isolamento social com suas fábricas paradas até pouco tempo atrás, levando ao desabastecimento desses materiais em todo o mundo. Outro problema (principalmente da falta de EPIs) é que os profissionais da saúde também adoecem, levando também à escassez de profissionais para o cuidado dos doentes, não só a de materiais.

O isolamento social é nossa principal arma contra a doença?
Não só o isolamento/distanciamento social é importante, como a higiene das mãos! Pelo que já foi explicado sobre as formas de transmissão e pela falta de uma vacina ou tratamento comprovadamente eficaz até o momento. Ou seja, as nossas armas, no momento, seriam apenas essas.

Agora que o clima está esfriando em São Paulo, os cuidados precisam ser redobrados? O contágio ou a ação do vírus
no organismo aumentam com o frio?

Não. A ação do vírus não é pior ou mais agressiva no frio. O problema é que o clima mais frio descompensa /exacerba algumas doenças respiratórias crônicas como asma, bronquite, rinite sazonal, aí o sistema respiratório já fica em um estado de inflamação constante, enfraquecendo as barreiras da mucosa, facilitando a entrada do vírus no organismo. Além disso, no calor a gente tende a deixar as janelas e portas abertas, fazendo o ar circular e dispersar o vírus. Já no frio, como deixamos tudo fechado, as partículas com vírus ficam depositadas ou suspensas naquele ambiente, aumentando a concentração do vírus no local.

Quais são os principais métodos utilizados no tratamento contra o novo coronavírus?
Ainda não existe nenhum tratamento realmente comprovado e específico para a Covid-19. Existem vários estudos promissores e cada instituição está agindo baseado na experiência de cada um. Porém, nada cientificamente comprovado. O que fazemos no momento é principalmente o suporte de acordo com os sintomas. Nós tratamos os sintomas e não o vírus em si.

O novo coronavírus é mesmo de baixa letalidade? Pode explicar melhor isso, já que o número de óbitos no mundo só cresce?
Isso é muito relativo. A taxa de letalidade de uma doença é a proporção entre o número de mortes por uma doença e o número total de doentes que sofrem dessa enfermidade ao longo de um determinado período de tempo. Temos uma doença nova, com pouco tempo de evolução, porém com número de casos novos aumentando a cada dia no mundo todo. Então o número de novas mortes aumenta. Porém, estamos com dificuldades de calcular a letalidade dessa doença justamente por ser ainda muito nova. Veja, em cada país do mundo, dependendo das ações e políticas de saúde pública, de recursos, temos taxas de letalidade diferentes. Dentro do próprio Brasil temos taxas diferentes dependendo do estado, da região, da cidade. Portanto, a taxa de letalidade acaba sendo uma média geral. Quanto menos recursos o paciente infectado recebe, maior a chance de ele morrer da doença. Mas não necessariamente nesse caso a culpa é inteiramente da doença, visto que não temos um tratamento específico e o que precisamos tratar são os sintomas: ventiladores mecânicos, sedativos, dieta específica, fora os médicos, fisioterapeutas, enfermeiros experientes em medicina intensiva. Além disso, os EPIs necessários para que os profissionais não peguem, aumentando assim o número de doentes e, consequentemente, o número de mortes. São muitos os fatores que interferem nisso. Não é apenas um número. Por exemplo, no Brasil não estamos testando e notificando às autoridades os casos leves não hospitalizados. Eles ficam de fora da conta. Ora, se contamos apenas os casos hospitalizados, esses são mais graves, e por isso a chance de óbito é maior, então a taxa parece maior, mas não é a realidade. Há alguns países que nem um sistema de notificação possuem! Então não conseguimos saber nem o número real de infectados nem o de mortos. Enfim, é uma complexidade imensa, mas o que se calcula em média atualmente é que a taxa de letalidade da Covid-19 seja em torno de 3%.

Depois de pegar a covid-19 a pessoa fica imune ao vírus?
Como a doença é novidade, isso ainda está sendo estudado. Os estudos mais recentes têm demonstrado que provavelmente se adquire imunidade duradoura a esse tipo específico do coronavírus: o Sars-Cov-2.

Medidas de fortalecimento do sistema imunológico, como por meio da alimentação, consumo de vitaminas e outras, realmente têm eficácia caso se contraia o vírus?
Alimentação saudável e balanceada, hábitos de vida saudáveis, exercícios físicos regulares ajudam qualquer indivíduo contra a maioria das doenças, infecciosas ou não. Porém, o consumo de vitaminas ou outras substâncias sem acompanhamento médico e sem uma indicação real podem, na verdade, sobrecarregar e prejudicar o indivíduo. Portanto, não devem ser utilizados indiscriminadamente.

Qual seria a medida mais eficaz para controlar a transmissão?
Não existe apenas uma medida eficaz, são diversas medidas combinadas. As principais são: higiene constante das mãos, tosse e espirro com etiqueta, higiene das superfícies mais tocadas dos ambientes, EPIs adequados para quem está prestando assistência ao paciente e manter a distância física entre as pessoas. Por isso o distanciamento/isolamento social ou a “quarentena”, como dizem, ajuda, principalmente no caso dos sintomáticos e grupos de risco.

O governo do Estado estuda internar também pessoas com sintomas leves. A senhora acha que isso ajudaria?
Visto que o tratamento é sintomático e nos sintomas leves, repouso, hidratação e antitérmicos resolvem, não veria sentido em internar os pacientes com sintomas leves, ainda mais que dentro do hospital a chance de se contaminar com outras doenças é maior. Mas sempre ressaltando que em alguns casos os sintomas começam leves e depois agravam, portanto, o paciente em casa não pode ser abandonado. Deve ser acompanhado diariamente (pode ser por telemedicina ou outra maneira) para que ao menor sinal de piora (que às vezes o paciente por si só não percebe), seja encaminhado ao pronto atendimento.

Uma testagem geral na população pode ajudar de alguma maneira?
Acredito que poderíamos ter uma visão real da doença, dos assintomáticos e os sintomáticos leves. Assim poderíamos definir as ações específicas com cada grupo.

Há alguma pesquisa, desenvolvimento de vacina ou tratamento que esteja mais próxima de ajudar nessa pandemia?
Temos vários estudos e pesquisas em andamento de medicamentos e de vacinas em vários locais do mundo. É difícil dizer em quanto tempo estará pronta uma vacina eficaz, porém, acredito que esse ano ainda seja difícil a vacina estar pronta.

Qual sua recomendação final?
Como infectologista controladora de infecção, há anos vejo os colegas e eu mesma fazendo campanhas, jogos, informativos para as pessoas lavarem as mãos. Mãos limpas salvam vidas! É importante contra a maioria das doenças infectocontagiosas. Isso é muito importante e tem que se tornar mais do que um hábito, mesmo após o fim da pandemia! As pessoas acham que sabem lavar as mãos, mas a verdade é que negligenciam muito esse hábito. Outra coisa importante é não divulgar informações não oficiais, buscando fontes confiáveis, como Anvisa, OMS, OPAS, órgãos oficias dos governos mundiais, revistas científicas mundialmente renomadas, para que as pessoas não se prejudiquem.

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